quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Jornal do Comércio: "Escola Sem Partido é impossível de ser aplicado", diz Penna

EDUCAÇÃO
 Notícia da edição impressa de 13/09/2016. Alterada em 13/09 às 15h30min
'Escola Sem Partido é impossível de ser aplicado', diz Penna

Para Penna, projeto impede função da escola como espaço de construção da cidadania

FREDY VIEIRA/JC
Isabella Sander

Um dos principais críticos ao Projeto de Lei (PL) Escola Sem Partido no Brasil, o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Fernando de Araújo Penna ministrou ontem uma palestra sobre o assunto na sede do Cpers/Sindicato, em Porto Alegre. O PL tramita, em âmbito nacional, tanto na Câmara de Deputados, com texto de autoria do deputado federal Izalci Lucas (PSDB-DF), quanto no Senado, com proposta do senador Magno Malta (PR-ES). Também há projetos em diversos estados e municípios. Em Alagoas, a lei foi aprovada, mas ainda não tem regulamentação. O texto também já vigora nas cidades de Santa Cruz do Monte Castelo (Paraná) e Picuí (Paraíba). No Rio Grande do Sul, a proposta que tramita é de autoria do deputado estadual Marcel Van Hattem (PP). Penna, contudo, defende que há elementos do Escola Sem Partido impossíveis de se colocar em prática.
Jornal do Comércio - Qual contexto propiciou o fortalecimento de iniciativas como o Escola Sem Partido?
Fernando de Araújo Penna - O movimento como um todo é de 2004. Não é coincidência que seu início coincida com o começo dos governos federais do PT, mas ele ganhou força mesmo em 2014. Alguns pesquisadores têm falado já em uma onda conservadora. Esse momento de movimentos mais conservadores ajudou bastante a espalhar esse projeto para o Brasil inteiro.
JC - Quais seriam as consequências da aprovação do projeto?
Penna - É um movimento que afirma que o professor não pode discutir a realidade do aluno, não pode discutir valores. Se ele for implantado, a escola, enquanto espaço para construção da cidadania e de debate, está duramente ameaçada. Um dos artigos do PL 867/2015, que tramita na Câmara de Deputados, diz que está vedado professores realizarem qualquer atividade que vá contra as convicções religiosas ou morais do aluno. Isso impediria a escola de discutir toda uma gama de assuntos importantes para a construção da cidadania.
JC - De que maneira essas atitudes seriam fiscalizadas?
Penna - Um dos recursos criados pelo projeto é um canal de denúncia anônima entre alunos e a Secretaria Estadual de Educação (Seduc). A Seduc levaria as denúncias ao Ministério Público, que ficaria encarregado das ações legais. Imagine um professor dando aula temeroso do que está falando e até de como será interpretado, porque o aluno não vai dialogar com ele com relação ao que está achando estranho, mas vai fazer uma denúncia anônima? Se você tem algum problema com o que está sendo dito, fale com o professor. Se não há dialogo, fale com outro professor. A escola já possui esses mecanismos, não é necessário um canal de denúncia anônima. Só cria clima de denuncismo, com professores com medo de abordar assuntos importantes para a formação do aluno, por medo de repercussões. A Lei nº 10.639, por exemplo, tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira. Algumas pessoas veem as culturas afro-brasileiras como temas que não devem ser discutidos. Então, se você tiver um aparato legal, você terá proibição de falar de outras culturas, o que para mim é gravíssimo.
JC - Há exemplos de modelos estrangeiros nesse sentido?
Penna - O movimento Escola Sem Partido foi criado com base em um site norte-americano chamado No Indoctrination, um site de denúncias. Legalmente, eu não conheço nenhuma iniciativa em outros países, nem mesmo a ditadura militar investiu muito em instrumentos legais para coagir o professor. 
JC - É possível implementar integralmente o Escola Sem Partido?
Penna - A aplicação de alguns elementos do projeto é impossível. Quando dizem que é vedada a abordagem em sala de aula de algum assunto que possa provocar conflito com as crenças morais e religiosas das famílias, isso é impossível de se aplicar. Uma sala de aula tem 40, 50 alunos com as mais diferentes crenças, valores. Se o professor tiver medo de entrar em conflito com qualquer uma delas, ele não vai falar sobre absolutamente nada.
JC - Como o senhor propõe o combate ao projeto?
Penna - É complexo, pois a linguagem que eles usam é muito próxima do senso comum. O próprio nome faz uma separação entre escola com partido ou sem, só que não é isso que está em questão. É um projeto que remove da escola seu caráter educacional. Eles usam a linguagem de redes sociais de forma muito eficaz. Por isso é importantíssimo debater com a sociedade civil, produzir textos que pais, alunos e interessados de maneira geral possam ler e se informar, para entender realmente o que é realmente o Escola Sem Partido. Eles dizem que defendem o pluralismo de ideias. Porém, se você vai ver a atuação do movimento, é incompatível com a descrição. É importante levar a questão não só para as universidades, mas para a sociedade civil como um todo.
JC - Qual o principal ponto que o senhor é contrário nesse projeto?
Penna - O projeto versa sobre a ética profissional do professor, mas em nenhum momento incluiu o professor na sua elaboração e mesmo na sua tramitação. Isso já tira a legitimidade da iniciativa. No entanto, uma vez arquivado o Escola Sem Partido, teremos uma boa oportunidade de rever o que é a escola para nós e quais são os limites éticos do professor. A escola não pode excluir uma prática ou outra, tem que ser um espaço de diálogo. Todas as crenças devem ser vistas como forma de cultura, e ninguém pode se negar a dialogar ou aprender sobre nenhuma outra cultura, e essa dimensão fica seriamente ameaçada com o projeto.

Fonte: Jornal do Comércio http://bit.ly/2cCboMG

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