terça-feira, 27 de outubro de 2015

Dia de Luto e Luta: Como a Feminização do Magistério influencia na desvalorização do professor?


Estamos nos aproximando da Mobilização do Dia de Luto e Luta que lembra do golpe aplicado pelo executivo hamburguense, com apoio da câmara de vereadores, que em 2009 extinguiu nosso plano de carreira.
Hoje, substituído por um plano que não valoriza a formação, o novo plano de  carreira nem ao menos é cumprido pela prefeitura.

Esse ato ilegal do descumprimento das leis municipais reflete o “Estado Machista”.
A afirmação é da Historiadora , Professora Universitária e Militante Feminista pela Marcha Mundial de Mulheres, Cheron Moretti que cedeu uma entrevista ao SindProfNH falando sobre a Feminização do Magistério.


1- Na sua opinião, o que faz as pessoas relacionarem a profissão de professor, principalmente quando se fala em educação infantil, com uma atividade profissional feminina?
Cheron Moretti
Tenho observado, cada vez mais em minha prática docente, que o que tem identificado nossa profissão como uma prática social eminentemente feminina é a dimensão do "cuidado". A "atividade cuidado" é naturalizada, deshistoricizada, de tal forma que não se questiona por quê determinadas profissões estão relacionadas às mulheres, e poderíamos fazer um paralelo à outras atividades no campo da saúde, por exemplo. Se supõe que para cuidar de alguém não seja necessário formação específica, procedimentos adequados, enfim, conhecimentos científicos para a sua realização. Não são incomuns os comentários que recebemos, de desvalorização de nossas atividades, porque as pessoas pensam que educar é uma extensão de tudo aquilo que já fazemos em casa, no âmbito privado, e que passamos nossa infância inteira brincando porque alguém disse que, como meninas, temos que cuidar dos outros, sempre. Da mesma forma, se entende que nascemos e crescemos para sermos tolerantes e preocupadas com todos que nos cercam. O Estado se beneficia muito com isso. Por um lado as mulheres, ao serem exímias cuidadoras, garantem a execução de todo o trabalho doméstico e demais atividades relacionadas à sua profissão. Por outro lado, ele continua ganhando porque naturaliza e desqualifica profissões das quais nós fomos nos inserindo (e fomos inseridas) ao longo da história. Quando tudo parece ser natural é necessário questionar. As mulheres são boas em todas as profissões que quiserem atuar; incluindo o magistério, mas não porque somos mulheres, mas porquê há muito conhecimento mobilizado na tarefa educativa.     


2-  O Estado é machista? Como isso prejudica os profissionais em Educação?
O Estado em que vivemos tenta conciliar as contradições de classe, e não superá-las, de tal forma que as suas instituições servem para garantir a manutenção e os privilégios de uma determinada classe, a dominante. A questão é que as contradições e interesses de classe continuam existindo, ainda que tentem nos convencer do contrário, ou seja, o Estado as controla justamente para perpetuá-las. No entanto, nossa sociedade não se organiza apenas pela hierarquia entre a classe trabalhadora e aquela que a explora. Esse Estado que nada ou muito pouco assegura de bem-comum, sobretudo em tempos neoliberais, reproduz outra  hierarquia: a patriarcal! E é essa que assegura, também, a desigualdade entre homens e mulheres, reafirmando papéis e funções sociais para cada uma de nós. Dentre eles, a do cuidado, como já mencionei anteriormente. Existe portanto, uma intersecção entre as opressões. Poderíamos aqui mencionar, com muita legitimidade, a racial/étnica...olhemos para nossa realidade: mulheres negras recebem menos que mulheres brancas, em termos salariais, e são as mais precarizadas; ou ainda, quando pensamos em mulheres negras, onde pensamos que elas estão? Qual o seu papel? Quando olhamos para as nossas cozinhas e refeitórios: quem nos cuida e nos serve? É sempre esse o lugar? O Estado e todas as suas instituições se beneficiam disso. O trabalho docente é desvalorizado constantemente. Existe uma invisibilidade das opressões que as trabalhadoras da educação sofrem porque esse tal Estado faz de conta que não tem lado. Por exemplo, retirar direitos dos professores, em concreto, é precarizar a vida das mulheres em seu conjunto. Quando não temos creches nos locais de trabalho, significa que aquela que decidir ser mãe tem que "voltar para casa". E, isso é muito perverso. Somos maioria no trabalho docente, sobretudo na educação infantil, assim como responsáveis pela família vamos sendo atingidas quando a educação não é tratada com prioridade pelo Estado e suas instituições. (Existe um funil, conforme os níveis de ensino e também no que se refere à chefias, nele podemos ter mais presente essa desigualdade experimentada pela categoria. Quando deveríamos ser vistas em totalidade, o sistema nos divide na intenção de colocar-nos umas contra as outras. Somos uma só, professoras.)



3 - A discussão de gênero poderia mudar essa visão que a maioria das pessoas têm sobre o magistério?
Não tenho s dúvidas! É interessante pensarmos, novamente, em termos de contradições. No último período há um crescente avanço do conservadorismo. Tanto esse Estado que aí está não é neutro que se quer tem conseguido cumprir o princípio de laicidade! Ele deveria funcionar independente das ideias religiosas, inclusive para garantir a pluralidade de suas manifestações, e o que vemos é um controle e uma submissão a dualidades que ao longo da História só serviram para controlar os corpos das pessoas, sobretudo das mulheres. O discurso da "escola sem partido", ou seja, escola sem utopia (assumo aqui utopia como visão social de mundo daqueles e daquelas que são excluídas) elimina todas essas discussões sobre desigualdade entre os gêneros, da livre orientação sexual, de racismo e dá lugar privilegiado para manter o sexismo, a trans-lesbo-homofobia, etc... Negar às mulheres e aos homens de conhecer a sua própria história é negar às pessoas de se reconhecerem como sujeitos de sua própria transformação. Não problematizar as desigualdades entre homens e mulheres é garantir a manutenção à toda ordem de violência sob àquelas que estão "abaixo da linha da humanização". Parece exagero, certo? Mas, não é! Noutro dia acompanhava uma jovem mãe que dizia à professora que não gostaria de ter de assumir a orientação da escola sobre o uso de mini-saias a sua filha. Sua reivindicação era de que os meninos deveriam ser educados a respeitar às meninas e não o de se estabelecer normas, comportamentos, "próprios" para as meninas através da restrição do uso de uma determinada vestimenta. Mas, a escola não compreendeu o que essa mãe demandava: no fundo, uma educação igualitária. Bem, aí chegamos a um ponto crucial: a escola pode reproduzir a lógica patriarcal. Em outros termos, mudar a visão que a maioria das pessoas possuem sobre o magistério passa pelos currículo das universidades, na formação dos professores e professoras, mas também na educação de novo homem e da nova mulher, seja na escola, desde o ensino fundamental (que até agora tem dito que azul é cor de menino e rosa é cor de menina, etc) mas também em nossa sociedade. Quem forma quem nos governa? Quem cria e ocupa as instituições do Estado? A escola não transforma a realidade sozinha, mas ela é fundamental para que "sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres", como um dia nos afirmou Rosa Luxembrugo.Acho que tudo isso que conversamos aqui, está muito mais perto que supomos. Se há culpados, não somos nós as professoras.


Nesta semana o SindProfNH promoverá uma formação com a Ativista do Movimento Contestação/ Intersindical, Letícia Maria. O tema será Feminismo e Educação: As Relações de Gênero e a Valorização do Trabalho Docente.


O Encontro é gratuito, aberto a todos os professores da rede e ocorrerá nesta quinta-feira, 29 de outubro, às 18h na sede do SindProfNH, rua Gomes Portinho, nº 17, sala 606. Participe.

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