quarta-feira, 6 de maio de 2015

O que você faria se você não tivesse medo?


Tem alguns dias que o cheiro típico da sala de aula não faz parte dos aromas que sentimos ao longo do dia. Tem alguns dias que não ouvimos as risadas gostosas, as perguntas inusitadas, que não vemos os olhinhos estreitos que, curiosos, buscam entender o que a “profe”, o que o “ssor” está explicando. 

Tem dias que o cenário de nossas aulas mudou. Trocamos as paredes que nos calavam, pelas ruas cheias de gente que não podiam ver e nem ouvir o professor. Unidos decidimos enfrentar a opinião pública e correr todos os riscos, mas precisamos dizer a verdade sobre a educação em Novo Hamburgo.

Há quem diga que o professor tem tomado às ruas por uma reposição de inflação, por que está preocupado com o bolso, mas a verdade é que, há muito tempo já estamos cansados de esconder da comunidade a precarização a qual esta gestão submete nossos alunos.  Nos cansamos de ser assediados pelo secretário, de ver os direitos de nossas crianças violados por uma política deturpada de contenção de despesas.

Esse tempo em que não nos pronunciamos levantou a questão crucial para deflagrarmos a greve: O que faríamos se não tivéssemos medo?

Provavelmente diríamos não ao assédio, muitas vezes provocado por nossos pares nas escolas, questionaríamos políticas que sabemos que prejudicam os estudantes. Sairíamos às ruas para contar à comunidade o que vem acontecendo em Novo Hamburgo.

Se não tivéssemos medo, distribuiríamos panfletos, faríamos abaixo assinado, bradaríamos palavras de ordem. Apontaríamos o que é ilegal e não chamaríamos de outro modo para ser mais polido. Talvez, se não tivéssemos medo faríamos paródias de canções populares explicando o “filme de terror” que é ser professor em Novo Hamburgo.

É provável que sem o medo, sairíamos ordeiros em caminhada aos silvos dos apitos, marchando pela educação, pelo respeito ao trabalhador, pelo cumprimento das leis. Da lei do piso, da lei do dissídio, da reclassificação... Ah, sem o medo certamente nós seríamos numerosos a ponto de lotarmos a Câmara Municipal. E se assim fosse, iríamos nos apoderar de um movimento grandioso e conseguir até mesmo que o Executivo retirasse projetos ilegais.

Sem esse tal de medo carregaríamos bandeiras, iríamos vestir camisetas que nos dessem destaque entre centenas de pessoas, de maneira que de longe qualquer um que passasse diria: “Eis aí um professor, uma professora”.

Desprovidos de medo ocuparíamos nosso lugar no pátio da prefeitura para encarar nosso opressor e em praça pública daríamos uma verdadeira aula de cidadania.

Isso é um professor sem medo, a boa notícia é que esse professor corajoso e destemido já prestou o seu concurso e aprovado, foi. Talvez esteja poucos meses na rede, talvez 20 anos. quem sabe aposentado? Esse professor que é cidadão de primeira grandeza já é notícia em todos os veículos de comunicação importantes do Rio Grande do Sul. Esse guerreiro é você, sou eu, colega Professor Municipal da cidade de Novo Hamburgo.

Nós já realizamos tudo isso. Já estamos mostrando a verdade e resistência ao enfrentar o frio, o calor, o cansaço. Ao enfrentarmos as críticas, as perseguições e mentiras que, como navalhas afiadas, são lançadas pela Secretaria de Educação.

Somos corajosos, somos bravos, aguerridos, somos formadores de opinião. Enfrentamos de cabeça erguida a vergonha a que o secretário nos submete toda vez que faltam folhas de ofício nas escolas e que compramos com nosso salário. De cabeça erguida denunciamos o sucateamento dos prédios escolares, onde em dia de chuva, o lado de dentro molha tanto quanto um jardim a céu aberto. Sem qualquer constrangimento denunciamos a precarização, pois constrangida deveria ficar a gestão que vai investir R$7 milhões em publicidade, enquanto nas escolas falta até papel higiênico.

Agora temos que nos lembrar da razão mais importante de estarmos fora das salas de aula: Os Alunos. É por eles que lutamos. E precisamos nos manter firmes, sem medir esforços. Precisamos mobilizar aquele seu colega que ainda não sentiu segurança de nos acompanhar nessa jornada.
Um bom argumento para trazê-lo? Experimente perguntar “O que você faria se não tivesse medo?”



Um comentário:

Mariana Scherrer disse...

Cadê o curtir? Belíssimo texto. Muita vontade agora de ser professora. Muita vontade de ter colegas unidos e um sindicato realmente de verdade. Sou uma simples funcionária que tenta resolver diariamente os problemas de dívidas com o município dos contribuintes. E me sensibilizo com cada história, com uma vontade imensa de, sim, tirar do meu bolso e ajudar aquele contribuinte mais necessitado. Sou ouvinte, diria até que psicóloga, pois muitos chegam e querer ficar por horas recebendo atenção. Este é o meu trabalho. Só que é triste, muito triste, não ser valorizado e olhar aquela tabela e ver que a última classe de CC ganha um pouco menos que tu. Pessoas sem ensino, sem qualificação nenhuma, verdadeiros puxa-sacos, que nem ao menos batem cartão. Chegam depois e vão embora antes. Eu mantenho a minha cabeça erguida sabendo que pode a gestáo trocar, a minha vaga permanece.