segunda-feira, 14 de abril de 2014

A Cidade dos Pés Trocados

Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com fatos ou pessoas reais terá sido mera coincidência.
Era uma vez uma linda cidade.
Era uma cidade próspera, com gente feliz e trabalhadora, com muitos animais, principalmente papagaios, que faziam muito barulho e repetiam tudo o que os outros diziam, sem pensar. Como não poderia deixar de ser, a Cidade dos Pés Trocados era especialista em fazer sapatos, mas mesmo assim, havia os pés descalços.
Nesta cidade havia um menino também conhecido por Joãozinho do Passo Certo. Seu nome verdadeiro era João Policarpo Quaresma, mais conhecido como PQ, ou Joãozinho do Passo Certo. PQ era um menino muito estudioso. Sabia ler e escrever e, principalmente, era muito bom em fazer contas.
Na escola do Joãozinho do Passo Certo existiam apenas duas classes: a dos grandes e a dos pequenos. Joãozinho pertencia a classe dos pequenos. Naquela época, PQ andava de pés descalços, mas nem assim descuidou de aprender e a cuidar das coisas. Lia todos os livros que lhe caíam no colo: de Marx a Durkheim; de Freud a Lacan, Vigotzki e Paulo Freire.
Infelizmente, a classe dos grandes era muito malvada com a dos pequenos. Fazia-os buscar a bola, tomava-lhes a merenda e até as roupas e sapatos. Quem varria a escola eram sempre os pequenos. E os papagaios, que só sabiam repetir o que os grandes diziam em troca de um biscoito, viviam infernizando a vida dos pequenos com frases feitas e clichês do senso comum. Afinal, fazer barulho era com eles mesmo.
Joãozinho do Passo Certo, como era um menino muito inteligente, logo se tornou o líder da turma. Isso também por causa de suas atitudes, sempre muito corretas e justas. Foi incansável defendendo os pequenos e muitas coisas foram conseguidas graças a sua liderança. Os pequenos já não aceitavam mais brincar com os brinquedos quebrados, terem que dar a sua merenda para os grandes ou varrerem a escola sozinhos. Isso causou um sério problema ecológico, pois a árvore da ignorância, onde os papagaios, burros e abutres proliferam, começou a ser cortada pela raiz.
A classe dos grandes estava realmente numa encruzilhada, apavorada porque iria perder seus privilégios para a classe dos pequenos. Aquele grupelho de vândalos, baderneiros e comunistas precisava ter uma lição.
– Chamem a Guarda Nacional! Gritaram.
Mas a mestre dos grandes, a bruxa velha Vurguesia, disse-lhes:
– Guardem suas espadas, pois eu tenho um feitiço muito poderoso. Só precisamos de uma isca!
A velha Vurguesia apelou então para seu óculo mágico, conhecido como Ideologia, que tinha o poder de inverter tudo: a verdade, a justiça, a democracia. Inclusive nossos desejos mais íntimos eram envolvidos pela lente da Ideologia e o que era prazer se transformava em sofrimento. Também os papagaios, por essa lente, pareciam mais e maiores do que eram na verdade; os burros pareciam garbosos alazões; os abutres se faziam ver como lindos cisnes; os poderosos tubarões pareciam peixinhos de aquário; as pequenas caturritas tinham a ilusão de serem araras azuis e até os porcos se assemelhavam a hamsters. Mas para que PQ enxergasse pela lente da Ideologia dos grandes, era preciso realmente algo muito forte.
A velha Vurguesia então usou sua mascote: uma grande e vistosa águia, chamada Eleição. Eleição era o símbolo da liberdade, pois voava até onde o céu terminava. E todos a admiravam, especialmente os papagaios, pois achavam que ela conseguia voar até o infinito, onde a história acaba. E sempre que ela voava, voltava com pequenos pedaços de poder no bico e os jogava sobre as pessoas e os papagaios. Também voltava com as garras sujas de sangue, mas ninguém perguntava o porquê, e nem de onde saíam aqueles pedaços de poder, pois estavam com a visão embaçada pela lente da Ideologia dos grandes.
Entretanto, os pequenos pedaços de poder estavam também envolvidos pela lente da Ideologia e pareciam ser o que na verdade não eram. O verdadeiro poder, a Galinha dos Ovos de Ouro, estava muito bem guardada pela velha Vurguesia. A Maisvalia, que era o nome da galinha, estava muito bem escondida dentro da fábrica, da escola, da loja e, inclusive, a velha Vurguesia dizia que ela nem existia, o que os papagaios repetiam com veemência sem perceberem que a Maisvalia era deles também (afinal, eles não pensavam).
Pois foi por um mísero pedaço de poder jogado pela Eleição que Joãozinho do Passo Certo foi fulminado pelo feitiço da velha Vurguesia. Joãozinho teve, então, seus pés trocados pela Ideologia dos grandes. Não que o pé direito tenha virado para a esquerda, mas sim o esquerdo virou para a direita. Agora PQ só andava com a direita. E como teve os pés trocados, já não tem mais o passo certo e vive tropeçando em tudo pelo caminho: na ética, na democracia, na verdade, na justiça, e pisando em cima dos seus antigos colegas. E também como cresceu, foi parar na classe dos grandes.
E o mundo se transformou com a transformação de PQ. Ungido pela Eleição com um pedaço ilusório de poder, ele desaprendeu tudo sobre justiça e direitos. Agora sequer sabe fazer contas simples de somar e dividir. Só quer diminuir o que é dos outros para multiplicar o seu.
Ah, e como toda a cidade foi atingida pelo feitiço da velha Vurguesia, surgiu uma aberração que está fazendo inclusive os bicho-preguiça saírem correndo: O Monstro do Pé Grande.
Triste fim de Policarpo Quaresma?

3 comentários:

Anônimo disse...

Ótimo texto. O pé grande é o Geovane Feltes?

Anônimo disse...

Texto bom e educadamente brando, até. Eu já utilizaria o personagem Fredinho Dantesco Freitag, ou F.D.P., que sabe fazer contas, mas mente o resultado para não pagar o justo dissídio aos servidores do município encantado de Neu Hamburg. Mas os cretinos asseclas de Fredinho ajudam a lotear cargos e a criar Conselhos Administrativos e Fiscais nas instituições públicas e autarquias de Neu Hamburg composta por políticos fredianos dantescos, iletrados e, alguns, talvez, suspeitos de conivência com irregularidades aviltantes !!! Tudo em prejuízo não apenas dos servidores, mas da já arrebentada e sofrida comunidade da já não mais encantada Neu Hamburg !!

Anônimo disse...

Se o Pé Grande é inimigo dos vilões, talvez eu não o chame de "aberração". Se não tem outro jeito, não há perspectiva em vista... O certo é: "DO JEITO QUE ESTÁ, NÃO PODE CONTINUAR"!!!